Trailer de A Tentação
Um homem sobe ao topo de um prédio e ameaça se jogar. Um policial, que acaba de descobrir a traição da esposa, é designado para evitar a tentativa de suicídio. Esta é a premissa de The Ledge, filme escrito e dirigido por Matthew Chapman, diretor de poucos e inexpressivos longas. Até agora.
Já de início, Chapman deixa claro que há algo errado. Há algo a ser contado, além das misérias e infortúnios comuns que assolam a maioria dos potenciais suicidas. A história é bem desenvolvida e a narrativa intercalada entre o dilema de Gavis (Charlie Hunnam), o homem atormentado, e os problemas pessoais de Hollis (Terrence Howard), o detetive, consegue prender a atenção do telespectador até o final.
Há boas sacadas no filme, como a “receita” descoberta por Gavis para conquistar uma mulher compromissada. O primeiro contato de Gavis e seu room-partner com o casal Harris, Joe (Patrick Wilson) e Shana (Liv Tyler), é genial. A trama é amarrada com detalhes e permeada com diálogos e debates contundentes e inteligentes, seja entre Joe e Gavis, Gavis e Shana, ou mesmo entre Hollis e Gavis. A trilha sonora transforma o clima dramático em um thriller cujo desenrolar acompanhamos envoltos.
O destaque da película é a abordagem entre os dois extremos de uma escala: o ateísmo e o fundamentalismo cristão. Entretanto, não justifica tantas polêmicas (especialmente com a imprensa e algumas igrejas) ao seu redor. É o ponto de vista expresso do autor e defensor da filosofia ateísta de seu real tataravô, Charles Darwin (curiosa coincidência). Chapman é claro e objetivo: há um herói ateu e um vilão cristão. Talvez esta seja a grande polêmica: o simples fato de "defender" o ateísmo e discutir a fé. Como ateu convicto, não entendo o porquê de tantos “não-me-toques” que a religião invoca, sendo um reles tema propício ao debate como outro qualquer. Mas talvez o próprio Gavis tenha explicado bem no filme: “Why, after thousands of years of bloodshed, didn´t we at least try to do away with this insane concept of faith before it fucking kill us?”. Se um simples filme como este já polemiza, temo que o protagonista esteja absorto em razão.
Hunnman é a surpresa da película, conduzindo com carisma uma personagem normalmente “crucificada” pela maioria dos religiosos: o ateu. Wilson, como o fanático religioso Joe, e Tyler, como a recatada e submissa esposa Shana, estão igualmente ótimos. Howard, completando o quarteto principal e mesmo sem muito espaço, transparece bem os tormentos que está vivenciando. As personagens são desenvolvidas e sólidas, mesmo sendo estereotipadas.
De fato, The Ledge pode marcar uma enorme revira-volta na carreira de Chapman. Apesar de ter sido abalroado nas críticas especializadas, ele produz um thriller eficiente, com questões profundas e incisivas sobre nossas crenças, sejam religiosas, conjugais ou sociais. É um filme indispensável para aqueles que sabem lidar e aceitar as diferenças do outro e gostam de refletir sobre a vida e suas escolhas. Enfim, The Ledge proporciona diversão de várias maneiras, sejam descompromissadas, sejam filosóficas. Graças a Deus. Ou não.
Daniel Lima
Daniel Lima
Não sabia do parentesco do autor com Darwin... muito curioso.
ResponderExcluirApesar de ter achado os debates religiosos rasos, eu curti o filme. Se bem que não dava pra estender muito o debate, porque aí o filme poderia não ficar tão atraente. Então, ok, o que se tem é bom.
Depois de assistir "God's not dead" para poder ter uma opinião sobre o filme (e ficar desapontado com a fraca argumentação), "The Ledge" foi um bom consolo pra mim, que também sou ateu.
Enfim, ótima crítica!