Trailer de Vergonha
Para ser definido como compulsão, o comportamento sexual de um indivíduo deve ser caracterizado pela impossibilidade de resistência aos seus desejos e impulsos, e pelo prejuízo decorrente deste comportamento desregrado, seja ele financeiro, emocional ou social. Há grande dificuldade de relacionar-se com amigos, familiares e parceiros, pois tudo à sua volta possui apenas um único objetivo: sexo. É uma patologia pouco divulgada e envolta em preconceitos e descrédito, justamente pelo papel que o sexo ocupa em nossa sociedade como principal e mais forte tabu.
Shame trata disso: o transtorno obsessivo-compulsivo sexual; seus sintomas, suas características e suas consequências. A história acompanha Brandon (Michael Fassbender), um homem bem-sucedido que sofre de compulsão sexual, e as mudanças que Sissy (Carey Mulligan), sua irmã, traz à sua vida, ao se mudar repentinamente para seu apartamento.
De início, mergulhamos em seu cotidiano, conforme o protagonista tenta lidar com sua doença. Seus pensamentos estão sempre voltados ao sexo. Ele precisa saciar-se, não importa com quem, onde, quando ou quanto custará. Para isso, há a necessidade de ausência ou poucos contatos amorosos, familiares ou amigáveis; isso torna-o mais frio, objetivo e eficiente.
O comportamento de Brandon nos apresenta à sua compulsão. Não há timidez em seus contatos sociais com o sexo oposto, mas sim cautela. Ele observa, espera, analisa. Precisa não apenas de um indício, mas de uma insinuação clara, para entrar em ação. Talvez pela dificuldade em identificar se a possível parceira está mesmo interessada nele (pois, apesar de possuir uma mente que conecta tudo a sexo, tem consciência de que os outros não funcionam desta maneira). Talvez pelo medo de sofrer uma sanção social, e ser taxado de “tarado” ou “pervertido”. Talvez simplesmente para não perder seu tempo com alguém que seja difícil de seduzir. Brandon não quer conhecer, conquistar ou convencer uma mulher. Não quer conversa. Ele quer sexo, ou seja, facilidade em ir para a cama. Quer variedade, pois apenas uma parceira não seria suficiente para satisfazê-lo. Por isso, prostitutas e casas noturnas são seus mais freqüentes passatempos.
É curiosa, por exemplo, a cena em que ele janta com Marianne (Nicole Beharie). Ele está lá: nervoso, impaciente e esforçando-se contra seus impulsos. Quando ela lhe conta que não é filha única e possui mais duas outras irmãs, ele pára, pensativo. Não diria pensativo, mas imaginativo. Aposto que sua mente fugiu em devaneios sexuais simultâneos com as três irmãs.
Talvez pela experiência em vivenciar seus sintomas, talvez pelo fato de sua patologia não ser tão extrema, Brandon possui um controle parcial sobre sua vida. Porém, quando se exaurem suas forças ou finalmente se entrega, o sexo mostrado diante das câmeras (ao ser capturado pelo ponto de vista mecânico, necessário e compulsivo) prova que seu controle é frágil. Ele fica à mercê de sua doença. Quando Sissy se reintroduz em sua vida, quebra inconscientemente este frágil controle.
Steve McQueen não se deixa levar pela vulgaridade, nem pelo sentimentalismo. Tudo é retratado sem apelações, pela ótica do protagonista, com suas obsessões, frieza e agonia. O ritmo do filme é perfeito para transparecer suas impressões; ele utiliza-se da lentidão para mostrar ao telespectador o tédio e a ansiedade que Brandon sente em atividades não-sexuais. Já quando se trata de sexo, o ritmo é frenético e rápido, passando as idéias de agonia e de insaciabilidade, por ele experimentadas constantemente.
Fassbender, que ultimamente vem se revelando um dos melhores e mais versáteis atores, está ótimo como o agustiado Brandon. Sua personagem pode ser taxada de egoísta e calculista, mas percebe-se que não é assim por opção; ela precisa ser assim para sobreviver à doença. O sexo doentio é retratado sem incomodar o telespectador; ao invés de asco, sente-se pena do protagonista.
Através de tomadas eufemistas, McQueen consegue abranger toda a controvérsia que permeia o assunto com sua câmera. Enfim, realiza um bom filme sobre um tema polêmico, com praticamente nenhuma discussão sobre o assunto e cenas que se explicam por si mesmas.
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